O artesão e os olhares alheios

Toda profissão tem seus desafios. A de artesão não poderia ser diferente. Um dos desafios que mais me chama atenção – e que mais me incomoda – é um certo olhar de pena não só para o nosso trabalho, mas também para nós mesmos, os artesãos.

Aqui no Brasil, não posso falar por outros países, há um certo preconceito, a palavra “artesanato” parece ter adquirido um sentido pejorativo, como se fosse sinônimo de sofrimento, de pessoas “coitadas” com dificuldades, como se quem o faz não pudesse fazer nada mais nada na vida e essa não fosse uma opção.

Um dos comentários que mais escuto, muito bem intencionados da parte de quem os faz, eu sei, é “nossa, é uma terapia, né?”. Sim, é uma terapia. Mas os esportes, a internet, os vinhos e as cervejas, a gastronomia, tudo, enfim, pode ser uma terapia, se nós nos apaixonarmos por aquilo que fazemos. O artesanato ajuda muito pessoas com todo tipo de problemas que o procura? Sim, com certeza. Eu mesma saí de uma depressão seríssima depois que me encontrei nessas artes.

Mas tornar o artesanato seu novo modo de vida não significa que você é um coitado – até porque, nem quem o faz como terapia seja, mesmo, um coitado. Significa que você fez uma escolha, assim como com qualquer outra profissão. Significa que você estuda, planeja, dedica-se, vira a madrugada, desdobra-se para tornar-se especialista, para tornar-se um profissional melhor. Mais uma vez, igual a todas as outras profissões.

Minha vendinha na praça! (foto – arquivo pessoal)

Sendo assim, por que as pessoas têm tanta dificuldade de entender e aceitar isso? Nesses últimos dias, pondo a cara pra bater na rua, ao sair para vender minhas bonecas, pude perceber isso melhor. Não me incomodo com quem sente piedade. Me incomodo com as caras esnobes e de nojo que recebo ao sorrir, vendendo alegremente meus produtos. É como se eu tivesse uma doença contagiosa, ou como se aquilo que faço não fosse digno o suficiente. Isso me tira tanto do sério. Sei que não deveria me irritar, mas… As pessoas são capazes de pagar centenas de reais por produtos tão artificiais e superficiais e são incapazes de, ao menos, abrirem um sorriso para aqueles que trabalham com tanto amor ali perto delas.

Por isso, falo mais uma vez do movimento “Compro de quem faz“. marca-completa-coloridaMovimentos assim contribuem para que a sociedade passe a ver de modo mais claro e menos pejorativo o artesanato produzido ao seu redor. Além de ser uma causa sustentável, ele colabora para aproximar as pessoas que já estão perto e que podem ter tanto em comum, valorizando tanto o trabalho local quanto as relações humanas.

É preciso ter cuidado com esse sentimento de piedade. Nem sempre é o que o outro precisa. Muitas vezes, quem está ali do outro lado precisa, mesmo, é de um reconhecimento da qualidade de seu trabalho, sem dó, sem sentimentalismo.

12 Comments

  1. Concordo muito com você, pelo menos do que eu acompanho de outros blogs gringos, o negócio de fazer com a mão é algo super gratificante e transformar as cidades, não importa muito bem quem é o produtor. Denominar artesanato o seu trabalho, traz todas essas questões culturais de alguém que passa por muita dificuldade na vida e só encontrou no artesanato o sustento (também porque não teve educação formal). Mas veja só: somente o ato de aprender o que for que seja já envolveu muito estudo, imagina pra tornar isso rentável e poder se sustentar disso? Admiro as atitudes de valorizar o artesanato de quem passa por dificuldades, não tem acesso a muitos recursos, mas temos que ter o cuidado de não restringir e de não “caricaturar” o produtor.

    Abraços

  2. Oi! Nossa, eu nunca tinha lido um texto que mexesse tanto na ferida. Parece que você colocou nessas letrinhas miúdas uma coisa que me angustiava, mas que eu não sabia o que era! Esse ar de piedade é cruel e desestimula, isso independe da finalidade que o artesanato tem para o artesão. Enfim, essa é uma questão cultural e ainda temos uma geração inteira para brigar pela causa 😉 O artesão de verdade é aquele que trabalha com o coração e transforma todo o seu amor e sonhos em produtos exclusivos.
    Obrigada por partilhar ideias tão lúcidas! Gosto de gente assim e de blog assim! Já compartilhei no Facebook e certamente vou mencionar no meu blog esse link.
    Super abraço!
    Camila

  3. Foi mesmo uma bela cutucada na ferida, ótimo texto. Acho que nos empolgamos tanto com o que fazemos que damos a impressão de que é apenas para manter a mente ocupada com algo que nos alegra, na falta de um trabalho melhor. Quando você entra nesse mundo delicioso do artesanato, não imagina que o primeiro obstáculo será enfrentar o preconceito na própria família.

    A nossa cultura do “peão que acorda 5 da manhã para ir trabalhar num lugar que odeia” é muito forte. É preciso primeiro que as pessoas se libertem, aprendendo a valorizar liberdade de escolha profissional, qualidade de vida(não tem que ser um inferno ganhar dinheiro) e a autonomia que assusta os acomodados.

    As vezes uma pessoa desempregada é mais bem vista do que alguém que faz artesanato, já reparou? O que é um conforto sempre, é que fazemos o que gostamos. Então seguimos em frente.

    Adorei a foto do seu trabalho exposto.

  4. Nossa… seu texto descreveu sentimentos e impressões que ás vezes passam por mim despercebidas, mas que acontecem. Eu tive a sorte de entrar num ateliê com algum tempo de estrada, com algum reconhecimento do mercado (específico), mas que não deixa de ser um ateliê, onde todo o trabalho (muito trabalhoso, por sinal) é feito à mão. E muitas vezes vemos o quanto se valoriza um produto feito num fundo de quintal, por pessoas que estão praticamente escravizadas do outro lado do mundo, e que leva um selo, uma marca… e não entende um trabalho que demorou dias para ser elaborado, que possiu técnicas e saberes antigos, que busca um modo de respeitar o mundo, as pessoas e o ambiente em que vivemos. E às vezes é pior, ainda é desvalorizado exatamente pelo motivo que deveria dar mais valor à peça, o ser artesanal.
    Como você, fiquei maravilhada com o movimento Compro de Quem Faz, por mostrar a todos quantos artesões incríveis estão ai, com trabalhos maravilhosos, que merecem respeito e incentivo para continuarem a criar.
    Sinta-se abraçada por mim e meu sócio, da Oficina Caiuá.
    Carolina

  5. Ótimo seu texto! Concordo totalmente!
    Também sinto esse “preconceito” camuflado. Sou formada em ciências contábeis e com pós graduação na área. Porém, desde abril deste ano me dedico somente a um ateliê de scrapbook, que vem me dando mais alegria e frutos do que os seis anos de trabalho “formal” puderam me dar. Ainda assim, a minha decisão de abandonar meu emprego formal e me dedicar ao mundo do “fazer com as próprias mãos” não foi vista com bons olhos por todos. Pareço maluca? Pode ser, mas passo agora por uma fase incrível da minha vida, inclusive profissonalmente. 🙂 E é assim que vejo também outros artesãos apaixonados pelo que fazem, que mergulham nesse universo e fazem sua vidas mais leve e com um real sentido. Abraços!

  6. Pois então… eu estou prestes a deixar outra profissão desvalorizada, professora, para assumir de vez minha condição artesã… a anos, desde a faculdade, permeio meu tempo profissional com o artesanato, agora resolvi assumir o que me faz feliz, talento dizem q tenho, então quero trabalhar com gosto, levantar cedo para produzir minhas peças, saber que o dia vai render, trocar experiências com pessoas que querem isso, e não que estejam numa condição forçada (como os alunos de ensino fundamental)… vou montar minha loja, produzir meu artesanato, minha arte, e ser feliz, e dane-se o resto! Um abraço a todos nós artesãos!

  7. Realmente colocou o dedo na ferida!!! Piedade não está com nada minha gente, abram a mente e enxerguem de uma vez por todas a beleza e as vantagens dos trabalhos artesanais!!!

  8. E politicamente, é uma maneira de tentar romper com a exploração do trabalho e ter os meios de produção nas mãos do trabalhador e retomar o verdadeiro sentido do trabalho: o trabalho que faz sentido. Pensamos, criamos e construímos os objetos, porque que tem função e porque são belos. Já que ainda temos as relações mediadas pelo dinheiro, Compramos de quem faz, mas também trocamos com quem faz, fazemos!

  9. Eu já passei por situações que me deixaram constrangida e até ofendida. Talvez a pessoa tenha feito com a melhor das intenções, mas quando o cliente paga pela mercadoria e você busca na bolsa 1 ou 2 reais para devolver o troco e a pessoa diz com um ar de desdém: “pode ficar com o troco”. Nos dá uma sensação de que a pessoa sente como se fizesse um “favor” em comprar uma mercadoria “pra te ajudar”.
    Algumas pessoas ainda pensam que por ser artesanal o valor deve ser menor que o de produtos feitos em série. Muitas vezes recebo pedidos de orçamento via e-mail ou pelo facebook, ao informar os valores dos produtos, a cliente algumas vezes questiona “mas não é de crochê? Não é feito à mão”. E é nessa hora que nós como artesãos temos que levantar nossa própria bandeira para nos defender. Eu digo: sim, é um produto artesanal, feito à mão, sob medida, único! Por isso ele tem este valor. Porque você estará pagando por um produto feito exclusivamente pra você.
    Se buscamos valorização, ela deve partir de nós antes de tudo

  10. Excelente texto. Não imaginava que esse tipo de sentimento era tão forte, também, com outras pessoas. Comigo acontece algo assim, só que com um atenuante, quando as pessoas me perguntam qual meu trabalho, respondo:’-sou artesão’, elas me olham meio torto por esses motivos tão bem citados no texto e também por eu ser homem. Não sei bem como isso funciona, mas parece que existe uma ideia impressa na cabeça de alguns, que, artesanato SÓ é feito por mulheres. Estranho né? Desde que me entendo por gente sempre gostei de ‘criar’ coisas e as vezes, alguns comentários me desestimulam a continuar (sei que existe isso em todo lugar, mas na minha cidade é muito difícil que qualquer tipo de arte seja levada a sério). Mas não consigo parar, ‘criar’ já faz parte de mim, e abandonar essa faceta só por causa de alguns, não faz parte dos meus planos xD.

  11. Oi, tudo que escreveram é muito real e oque sempre estamos acostumados a ver é o “pouco caso” coma alguém disse :mas,não é de crochet?, não é feito à maõ?Porisso mesmo deveria ser muito mais valorizado!Eu trabalho com papel reciclável.Além de contribuir para a limpeza do Planeta, o trabalho que me para coloca-lo em condição de se utilizado ,ninguém imagina… ai´dizem:mas, não é de papel?… e o trabalho? e que que o preço seja maisbarato

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